quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Encontro com o Demo- Izabelle Valladares

Encontro com o demo.

L
á vinham pelas estradas de Goiás, os três amigos proseando, um falava da esposa, um falava do trabalho e um falava do patrão, os três reclamavam sem parar insatisfeitos com a maledicência de vida em relação a eles.
O primeiro falava:
_Aquele raio daquela mulher, só se perfuma e fala da vida dos outros , quando chego a casa não faz comida, ainda quer beijos, abraços e presentes, já não agüento mais esta vida do cão!
O segundo resmungava sem parar:
_ Meu trabalho é uma angustia, carrego cana o dia inteiro, acordo antes do sol, meu caminhão já não tá nem agüentando o tranco, só vive quebrando, minhas mãos estão calejadas, você amigo ainda tem sorte que quando chega a casa tem uma mulher perfumada que quer te dar beijos e abraços, e eu? Nem nisso tenho sorte, faz tempo que só arrumo mulher se coçar o bolso.
O terceiro aderiu também ás reclamações;
_Você pode reclamar da sua mulher, que anda preguiçosa, e você amigo, reclama de trabalhar de sol a sol, mas e eu que trabalho para aquele mão de vaca, que nem comida para os funcionários dá, quisera eu ter um caminhão que quebrasse de vez em quando pra passar com ele por cima daquele cabra, ou pelo menos ter a sorte do amigo de chegar a casa e ter uma mulher esperando, por que quando eu chego a casa, nem minha mulher eu vejo, que trabalha no hospital á noite pra ajudar na renda da casa, e eu só vejo uma vez na semana e nem nada comigo quer de tão cansada que fica.
Não sabiam ele, que o “diabo” andava por ali, a espreita, esperando o melhor momento pra entrar na conversa, a melhor brecha pra poder entrar e fazer uma arruaça na vida dos três, então astutamente ele sopra no ouvido de um deles que prontamente diz aos outros:
_ Eu queria que aparecesse o “capiroto” aqui na minha frente para fazer um pacto e mudar minha vida.
Os outros dois prontamente concordaram:
- Ah eu fecharia um pacto na hora.
E o outro:
_Eu nem pensava duas vezes.
E eis que surge nada mais, nada menos que o próprio” capeta “na frente deles.
Os três levaram um grande susto, mas não com a aparência do bichão, por que o danado quando quer aparece bem do bonito pra enganar os trouxas, mas com a repentina aparição de um homem tão bem arrumado do nada em sua frente.
Os três se abraçaram e pensaram:
_Pronto chegou nosso fim.
Mas o coisa ruim, astucioso como ele só, estendeu as mãos para os três e disse:
_ não temam eu venho em paz.
Um deles respondeu:
_Paz? Quem é o senhor?
O capeta disse:
_ sou eu mesmo, euzinho, eu que vocês chamaram há uns dez passos atrás, e eu, eu mesmo, quando sou chamado, não sou igual aquele outro lá de cima que espera o tempo passar não, eu venho fechar negócio é na hora.
Os três mesmo com medo do assunto do “cramulhão”, resolveram ouvir sua proposta.
O “coisa ruim” com uma voz de Cid Moreira, disse aos três;
_eu livro vocês de tudo de ruim que tem na vida de vocês, em troca, quando cada um fizer cinqüenta anos vocês vem comigo, pra me ajudar em uns “servicinhos”
Virou para o primeiro e disse;
_ Te caso com a mulher mais caprichosa do mundo e você vai chegar a casa e ter uma vida de rei.
Olhou bem fundo para o segundo e disse:
_ Te livro do caminhão e do árduo trabalho, te dou uma carreta e uma empresa e nunca mais vai ter que ter hora pra acordar.
Virou-se para o terceiro e disse;
_ Dou cabo daquele teu patrão hoje mesmo, e no lugar dele, coloco o filho dele que é um despreocupado, não vai grudar no seu pé, e ainda vai te dar um aumento de salário, ainda quebro o galho e coloco uma secretária “boazuda” pra trabalhar com você e você só não vai pegar se não quiser.
Os três se entreolharam e ficaram numa dúvida terrível, nenhum dos três tinha trinta anos ainda, e pensavam: “é melhor passar mais vinte e poucos anos de moleza que passar mais quarenta ou cinqüenta de sufoco, e além do mais, vai ver que agente não iria viver nem isso tudo, na droga de vida que estamos vivendo”, mas decidiram pensar até o outro dia, e marcaram uma hora com o” belzebu”, para darem as respostas.
Os três foram pra casa e não paravam de pensar.
Quando o primeiro chegou a casa, a esposa tinha feito um sanduiche qualquer lá, mas o recebeu com beijos quentes e com sua típica saudade que parecia não ter fim, disse ao marido às coisas do seu dia, ou seja, os detalhes da novela da tarde, um pouco da vida dos vizinhos e dos gastos que fez naquele dia, incluindo uma fezinha na loteria, mas a cabeça do sujeito estava longe, olhou a pia cheia de louça, olhou pra cara da mulher toda pintada e tomou sua decisão.
O segundo homem chegou a casa e sentou na carroceria do caminhão, pensou no dia que o comprou, em como ele havia sido forte aquele tempo todo, nos amores que já haviam viajado naquela boléia, em tudo que passaram, olhou os podres do caminhão, a cor envelhecida, abriu o caput e viu o motor cansado de guerra, que já estava pedindo arrego, bateu com força o caput e entrou em casa com um sorriso na cara de quem já tinha decidido o que fazer.
O terceiro homem chegou a casa desolado com sua vida, foi esquentar a comida que sua mulher deixara no forno, e adormeceu, e sonhou com um novo emprego, com sua amante “boazuda”, acordou quando sua esposa estava chegando, deu um beijo no filho e saiu, quando chegou ao trabalho, ficou observando o patrão e seu filho, diziam que seu patrão havia sido muito pobre e por isso dava tanto valor ao dinheiro, o homem não faltava, quando adoecia, ia trabalhar doente mesmo, e olhou seu filho, rapaz saudável, boa vida, já havia pegado o império do pai pronto, volta e meia se envolvia em fofocas na cidade, pequenos acidentes automobilísticos, mulheres casadas, brigas, e começou a lhe ver como patrão, certamente teriam cerveja e churrasco toda sexta no final do expediente, além de mulheres é claro, olhou atentamente o rapaz que ao observá-lo o observando deu um largo e simpático sorriso e perguntou ao empregado do pai:
_Qual é parça? Tô de verde?
E deu uma grande e descontraída gargalhada.
E o homem riu junto com o suposto futuro patrão.
Á tarde vinha se aproximando e a ansiedade dos três aumentava conforme as horas aumentavam.
E na hora certa os três estavam lá.
E o “cabrunco” também.
 O coisa ruim todo animadinho chegou com um sorriso confiante na cara, e os três também sorriam com a certeza de um bom negócio.
O primeiro dos convocados falou:
_ Olha, sua proposta é tentadora, mas desde pequeno na primeira comunhão eu sabia que igual a você pra tentar não tem, mas minha resposta é não, minha mulher pode não ser a melhor do mundo, mas quem não tem defeitos? Minha escolha é ficar com ela mesmo que me ama de verdade e ontem ao observá-la vi que trinta anos a mais são poucos pra viver ao lado dela.
O segundo respondeu com veemência:
_ Ontem fui pra casa e sentei na carroceria do meu possante, pensei em tudo que passamos juntos, e no orgulho que tive quando o comprei, sei que o dia que puder interar pra ter um mais novo, a alma dele vai vir para o novo, por que ele pode quebrar, mas logo se recupera, mas sua proposta vai quebrar não só minha existência na hora em que você quiser, mas vai quebrar meu caráter e uma coisa que minha mãe me ensinou desde criança é que caráter num cabra macho é a melhor das virtudes, e macho eu sou.
O terceiro olhou os amigos aturdidos e disse;
_ Não esperava essa reação de vocês.
Os dois olharam para o amigo com um olhar de pena, por vender a alma dele e a do patrão junto.
E o homem disse:
_ Quando fui pra casa e via a vida que eu levava,e a vida que meu patrão tem, pensei:
“Deus faz as coisas muito certas, me deu uma mulher trabalhadeira que me ajuda muita, e um patrão responsável e trabalhador que no dia certo sem atraso me dá meu salário certinho na mão”, e quando eu vi vocês se justificando, vi que Deus me deu amigos de caráter também, só não vou justificar minha resposta por que minha resposta pra esse enviado dos infernos é uma só.
E puxou uma bíblia sagrada de dentro da camisa e uma faca e foi avançando em cima do coisa ruim.
O bicho ruim se envergou todo e os três com uma autoridade que nem conheciam, colocaram o demo pra correr.
Abraçaram-se emocionados e viram o quanto eram pessoas do bem e amigos até na hora de expulsar um coisa ruim daqueles, e seguiram seus caminhos doidos pra chegar a suas casas, deitarem a cabeça em seus travesseiros e dormirem em paz, com o sono dos justos.
O primeiro chegou a casa e encontrou sua mulher perfumada, e a casa limpa, chegou estranhar, e a mulher esclareceu, a filha de dona Candinha deu uma faxina aqui, e de hoje em diante ela vai ser nossa funcionária.
O homem endoidou:
_Tá maluca mulher, como vou pagar isso, se você nem trabalha.
Ela sorriu confiante e mostrou o bilhete premiado da fezinha que tinha feito.
_Estamos ricos meu rei, e agora você vai parar de trabalhar e viver só de amor pra mim.
O homem não acreditava no que estava acontecendo, uma semana depois, presenteou o amigo com uma carreta novinha, ele juntou as economias, vendeu o velho possante e comprou um trator, com os negócios fluindo e uma carreta novinha é claro que solteiro por muito tempo ele não ficou.
Para o outro amigo, ele fez uma proposta de sociedade em uma empresa, que levou o que aprendeu com o patrão ao pé da letra, sendo mais Caxias ainda que ele, não faltava, também não perdoava as faltas nem atrasos dos funcionários, a empresa prosperou, sua dedicada esposa pôde largar o cansativo emprego no hospital e sua vida se transformou com a prosperidade do amigo.
E lá de cima, lá de cima mesmo... Deus virava para seus anjos, com cinco dezenas abençoadas nas mãos e dizia:
_ Tem horas que esses meus filhos me dão um trabalho!!!
E abanou-se com os números premiados.
E os anjos riram até as lágrimas caírem e tornarem-se chuva.
E a chuva molhou a terra seca, para que as esperanças dos outros homens de bem também se renovassem.

Um comentário: