terça-feira, 23 de novembro de 2010

A dama da sacada

A dama da sacada.

Passava ele pelo calçadão, quando a viu pela primeira vez.
Seu nome era Orlando, tinha uma mexa branca no cabelo que parecia cocô de pombo.
Do alto de um sobrado, uma moça olhava o dia claro.
Distraída ao olhar o intenso movimento do transito do centro da cidade, não viu o rapaz que a observava em  sua sacada.
Também não era pra menos, passaria despercebido em qualquer situação, homem branco, baixo, magro demais, não seria notado, não que fosse feio, mas simplesmente era o que chamamos popularmente de sem sal.
Á partir daquele dia, seu trajeto para o trabalho era sempre o mesmo.
Passava pela Praça Tiradentes de olho o sobrado, quando a avistava estufava o peito, sorria mostrando todos os dentes, mas nunca era notado.
Decidiu então apelar para uma macumbeira do centro da cidade com vasta experiência no campo do amor.
A mulher tirou-lhe uma parte em dinheiro com a promessa que a moça falaria com ele em três dias ou devolveria seu dinheiro.
Passado os três dias, vendo seu insucesso voltou lá e exigiu seu dinheiro, a cartomante não gostou e ainda o censurou.
“_Sem graça como és, nem macumba dá jeito!”
Não importava, podia ser sem graça, mas trato é trato.
Pegou seu dinheiro com a promessa de nunca mais tentar aquela artimanha.
Resolveu apelar para o amigo Flaviano, que se dizia perito em rabos de saia.
Procurou-o nos bares da Lapa, aonde certamente iria encontrá-lo em qualquer dia da semana á noite, jogando conversa fora e com um olho nos dados e outro nas raparigas que passavam bem pertinho das mesas lançando olhares e mexendo com a imaginação dos homens com seus gingados.
Flaviano estranhou ao ver o amigo, não era homem de freqüentar  a noite carioca.
_ Preciso de seu conselho Flaviano.
Flaviano cheio de si respondeu:
_ Se for sobre mulher pode me perguntar!Sei de tudo que elas gostam!
O Orlando chegou se intimidar com a resposta do amigo.
Realmente era um campo que nunca havia tido muita sorte.
E contou-lhe toda a história de sua paixão platônica pela moça da sacada.
Flaviano não titubeou:
_Pode ajeitar a beca que se seguir meus conselhos logo estará casado com ela.
Orlando não podia ouvir coisa melhor.
Flaviano aconselhou-o a começar a fumar, dizia que as mulheres achavam um charme.
Orlando nunca havia colocado um cigarro na boca, mas já passava dos dezoito anos, na década de 60, não era nenhum absurdo fumar!
Resolveu seguir os conselhos de Flaviano e comprou os cigarros.
Treinou em casa por alguns dias e quando passou na calçada da moça já era um fumante.
A moça olhou-o pela primeira vez.
E ao ver o olhar sedento de Orlando desviou o olhar timidamente.
Orlando correu até seu conselheiro amoroso para contar-lhe as boas novas, o plano estava dando certo!
Então Flaviano aconselhou que mexesse em seu guarda-roupa,que comprasse calças brancas boca de sino, um must no momento e camisas de cores berrantes, seria impossível não ser notado.
E lá foi Orlando fazer dar uma repaginada no visual para chamar a atenção de sua futura esposa dos sonhos.
Quando passou pela calçada foi logo notado.
A moça acompanhou-o com o olhar, e mesmo sem conseguir enxergar direito a calçada por ter banido o uso dos óculos para passar por ali, Orlando desfilava como um pavão em um convite para o amor.
Logo, Orlando fez amizade com o pipoqueiro que trabalhava bem pertinho da casa da moça, e não demorou em descobrir seu nome, chamava-se Leonice, e havia chegado de Itaperuna, interior do rio de janeiro há poucos dias.
O amigo pipoqueiro começou a catar informações da moça para Orlando, que descobriu que a moça tinha o hábito de ir a missa aos domingos pela manhã e sempre parava por ali para comer pipocas.
Orlando comentou o fato com Flaviano, que aconselhou Orlando á forjar uma briga quando a moça passasse, dizia ele que mulher adora ver homem brigando.
E dito e feito, quando acabou a missa, Orlando contratara um pivete para fingir roubar a bolsa da moça, tudo sobre a coordenação de Flaviano. Leonice ao ser falsamente atacada pelo rapaz, gritou feito louca, foi quando que do nada surge Orlando, com seu sapato cavalo de aço, dando chutes e pontas-pé no pivete, e recuperando a bolsa da moça intacta.
Leonice agradeceu-o, e cordialmente se retirou da cena do crime.
Orlando que esperava uma reação mais calorosa, voltou para casa frustrado.
No dia seguinte, olhando seus cotovelos ralados do engalfinhamento com o pivete, achou que aquele mar ali não estava pra peixe, iria tirar seu time de campo, já havia feito de tudo para chamar-lhe a atenção.
Passo algumas semanas sem passar naquela calçada.
Mas em uma tarde cinzenta, com o coração apertado de saudades só de ficar alguns dias sem deslumbrar a imagem da moça na sacada, decidiu passar mais uma vez bem devagar pela sua calçada.
E eis que se assusta ao ver a moça dar-lhe um grande assovio quando o avistou.
Ele olhou para os lados achando que não era com ele, e continuou seu caminho.
Ela assoviou de novo e quando Orlando olhou fez sinal para que esperasse.
Ele achou que ela não o reconheceria sem todo aquele aparato do personagem criado por Flaviano, e achou que estava vindo agradecer-lhe pela ajuda no dia do assalto.
Seu coração parecia que iria pular pela boca.
Batia descompassado, fazendo as primeiras gotas de suor molharem-lhe a testa e o bigodinho ralo que insistia em  nascer.
Ela se aproximou com um sorriso.
_ Por onde andava? Estavas doente?
Então ela tinha reconhecido-o.
_ Não, estava ocupado apenas.
_Há meses quero lhe entregar isso!
E retirou do bolso um lenço que Orlando sempre usava para enxugar a testa nos dias de calor, e tamanha era sua distração que não percebera no dia que havia perdido.
_ Tentei te entregar no mesmo dia, mas nunca mais o vi passando por aqui.Havia um rapaz um pouco parecido com você que cheguei a pensar que era seu irmão, e algumas vezes o observei passar, pensando em perguntar-lhe se era seu parente.
_ Não, não tenho irmão- respondeu Orlando.
_ Mas não se preocupe, logo vi que não era seu parente, o rapaz fumava feito uma chaminé, usava umas roupas berrantes que parecia que ia fazer algum show na praça da bandeira e o pior de tudo, era violento e brigão. Via-se logo que não podia ser de sua família.
Orlando é lógico, decidiu não contar nenhum pedacinho dos planos de Flaviano.
Leonice entrou e da sacada sorriu para Orlando e acenou.
Orlando estava nas nuvens.
Olhou mais uma vez sua musa na sacada com a certeza que sendo ele mesmo seria mais fácil conquistá-la.





quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Encontro com o Demo- Izabelle Valladares

Encontro com o demo.

L
á vinham pelas estradas de Goiás, os três amigos proseando, um falava da esposa, um falava do trabalho e um falava do patrão, os três reclamavam sem parar insatisfeitos com a maledicência de vida em relação a eles.
O primeiro falava:
_Aquele raio daquela mulher, só se perfuma e fala da vida dos outros , quando chego a casa não faz comida, ainda quer beijos, abraços e presentes, já não agüento mais esta vida do cão!
O segundo resmungava sem parar:
_ Meu trabalho é uma angustia, carrego cana o dia inteiro, acordo antes do sol, meu caminhão já não tá nem agüentando o tranco, só vive quebrando, minhas mãos estão calejadas, você amigo ainda tem sorte que quando chega a casa tem uma mulher perfumada que quer te dar beijos e abraços, e eu? Nem nisso tenho sorte, faz tempo que só arrumo mulher se coçar o bolso.
O terceiro aderiu também ás reclamações;
_Você pode reclamar da sua mulher, que anda preguiçosa, e você amigo, reclama de trabalhar de sol a sol, mas e eu que trabalho para aquele mão de vaca, que nem comida para os funcionários dá, quisera eu ter um caminhão que quebrasse de vez em quando pra passar com ele por cima daquele cabra, ou pelo menos ter a sorte do amigo de chegar a casa e ter uma mulher esperando, por que quando eu chego a casa, nem minha mulher eu vejo, que trabalha no hospital á noite pra ajudar na renda da casa, e eu só vejo uma vez na semana e nem nada comigo quer de tão cansada que fica.
Não sabiam ele, que o “diabo” andava por ali, a espreita, esperando o melhor momento pra entrar na conversa, a melhor brecha pra poder entrar e fazer uma arruaça na vida dos três, então astutamente ele sopra no ouvido de um deles que prontamente diz aos outros:
_ Eu queria que aparecesse o “capiroto” aqui na minha frente para fazer um pacto e mudar minha vida.
Os outros dois prontamente concordaram:
- Ah eu fecharia um pacto na hora.
E o outro:
_Eu nem pensava duas vezes.
E eis que surge nada mais, nada menos que o próprio” capeta “na frente deles.
Os três levaram um grande susto, mas não com a aparência do bichão, por que o danado quando quer aparece bem do bonito pra enganar os trouxas, mas com a repentina aparição de um homem tão bem arrumado do nada em sua frente.
Os três se abraçaram e pensaram:
_Pronto chegou nosso fim.
Mas o coisa ruim, astucioso como ele só, estendeu as mãos para os três e disse:
_ não temam eu venho em paz.
Um deles respondeu:
_Paz? Quem é o senhor?
O capeta disse:
_ sou eu mesmo, euzinho, eu que vocês chamaram há uns dez passos atrás, e eu, eu mesmo, quando sou chamado, não sou igual aquele outro lá de cima que espera o tempo passar não, eu venho fechar negócio é na hora.
Os três mesmo com medo do assunto do “cramulhão”, resolveram ouvir sua proposta.
O “coisa ruim” com uma voz de Cid Moreira, disse aos três;
_eu livro vocês de tudo de ruim que tem na vida de vocês, em troca, quando cada um fizer cinqüenta anos vocês vem comigo, pra me ajudar em uns “servicinhos”
Virou para o primeiro e disse;
_ Te caso com a mulher mais caprichosa do mundo e você vai chegar a casa e ter uma vida de rei.
Olhou bem fundo para o segundo e disse:
_ Te livro do caminhão e do árduo trabalho, te dou uma carreta e uma empresa e nunca mais vai ter que ter hora pra acordar.
Virou-se para o terceiro e disse;
_ Dou cabo daquele teu patrão hoje mesmo, e no lugar dele, coloco o filho dele que é um despreocupado, não vai grudar no seu pé, e ainda vai te dar um aumento de salário, ainda quebro o galho e coloco uma secretária “boazuda” pra trabalhar com você e você só não vai pegar se não quiser.
Os três se entreolharam e ficaram numa dúvida terrível, nenhum dos três tinha trinta anos ainda, e pensavam: “é melhor passar mais vinte e poucos anos de moleza que passar mais quarenta ou cinqüenta de sufoco, e além do mais, vai ver que agente não iria viver nem isso tudo, na droga de vida que estamos vivendo”, mas decidiram pensar até o outro dia, e marcaram uma hora com o” belzebu”, para darem as respostas.
Os três foram pra casa e não paravam de pensar.
Quando o primeiro chegou a casa, a esposa tinha feito um sanduiche qualquer lá, mas o recebeu com beijos quentes e com sua típica saudade que parecia não ter fim, disse ao marido às coisas do seu dia, ou seja, os detalhes da novela da tarde, um pouco da vida dos vizinhos e dos gastos que fez naquele dia, incluindo uma fezinha na loteria, mas a cabeça do sujeito estava longe, olhou a pia cheia de louça, olhou pra cara da mulher toda pintada e tomou sua decisão.
O segundo homem chegou a casa e sentou na carroceria do caminhão, pensou no dia que o comprou, em como ele havia sido forte aquele tempo todo, nos amores que já haviam viajado naquela boléia, em tudo que passaram, olhou os podres do caminhão, a cor envelhecida, abriu o caput e viu o motor cansado de guerra, que já estava pedindo arrego, bateu com força o caput e entrou em casa com um sorriso na cara de quem já tinha decidido o que fazer.
O terceiro homem chegou a casa desolado com sua vida, foi esquentar a comida que sua mulher deixara no forno, e adormeceu, e sonhou com um novo emprego, com sua amante “boazuda”, acordou quando sua esposa estava chegando, deu um beijo no filho e saiu, quando chegou ao trabalho, ficou observando o patrão e seu filho, diziam que seu patrão havia sido muito pobre e por isso dava tanto valor ao dinheiro, o homem não faltava, quando adoecia, ia trabalhar doente mesmo, e olhou seu filho, rapaz saudável, boa vida, já havia pegado o império do pai pronto, volta e meia se envolvia em fofocas na cidade, pequenos acidentes automobilísticos, mulheres casadas, brigas, e começou a lhe ver como patrão, certamente teriam cerveja e churrasco toda sexta no final do expediente, além de mulheres é claro, olhou atentamente o rapaz que ao observá-lo o observando deu um largo e simpático sorriso e perguntou ao empregado do pai:
_Qual é parça? Tô de verde?
E deu uma grande e descontraída gargalhada.
E o homem riu junto com o suposto futuro patrão.
Á tarde vinha se aproximando e a ansiedade dos três aumentava conforme as horas aumentavam.
E na hora certa os três estavam lá.
E o “cabrunco” também.
 O coisa ruim todo animadinho chegou com um sorriso confiante na cara, e os três também sorriam com a certeza de um bom negócio.
O primeiro dos convocados falou:
_ Olha, sua proposta é tentadora, mas desde pequeno na primeira comunhão eu sabia que igual a você pra tentar não tem, mas minha resposta é não, minha mulher pode não ser a melhor do mundo, mas quem não tem defeitos? Minha escolha é ficar com ela mesmo que me ama de verdade e ontem ao observá-la vi que trinta anos a mais são poucos pra viver ao lado dela.
O segundo respondeu com veemência:
_ Ontem fui pra casa e sentei na carroceria do meu possante, pensei em tudo que passamos juntos, e no orgulho que tive quando o comprei, sei que o dia que puder interar pra ter um mais novo, a alma dele vai vir para o novo, por que ele pode quebrar, mas logo se recupera, mas sua proposta vai quebrar não só minha existência na hora em que você quiser, mas vai quebrar meu caráter e uma coisa que minha mãe me ensinou desde criança é que caráter num cabra macho é a melhor das virtudes, e macho eu sou.
O terceiro olhou os amigos aturdidos e disse;
_ Não esperava essa reação de vocês.
Os dois olharam para o amigo com um olhar de pena, por vender a alma dele e a do patrão junto.
E o homem disse:
_ Quando fui pra casa e via a vida que eu levava,e a vida que meu patrão tem, pensei:
“Deus faz as coisas muito certas, me deu uma mulher trabalhadeira que me ajuda muita, e um patrão responsável e trabalhador que no dia certo sem atraso me dá meu salário certinho na mão”, e quando eu vi vocês se justificando, vi que Deus me deu amigos de caráter também, só não vou justificar minha resposta por que minha resposta pra esse enviado dos infernos é uma só.
E puxou uma bíblia sagrada de dentro da camisa e uma faca e foi avançando em cima do coisa ruim.
O bicho ruim se envergou todo e os três com uma autoridade que nem conheciam, colocaram o demo pra correr.
Abraçaram-se emocionados e viram o quanto eram pessoas do bem e amigos até na hora de expulsar um coisa ruim daqueles, e seguiram seus caminhos doidos pra chegar a suas casas, deitarem a cabeça em seus travesseiros e dormirem em paz, com o sono dos justos.
O primeiro chegou a casa e encontrou sua mulher perfumada, e a casa limpa, chegou estranhar, e a mulher esclareceu, a filha de dona Candinha deu uma faxina aqui, e de hoje em diante ela vai ser nossa funcionária.
O homem endoidou:
_Tá maluca mulher, como vou pagar isso, se você nem trabalha.
Ela sorriu confiante e mostrou o bilhete premiado da fezinha que tinha feito.
_Estamos ricos meu rei, e agora você vai parar de trabalhar e viver só de amor pra mim.
O homem não acreditava no que estava acontecendo, uma semana depois, presenteou o amigo com uma carreta novinha, ele juntou as economias, vendeu o velho possante e comprou um trator, com os negócios fluindo e uma carreta novinha é claro que solteiro por muito tempo ele não ficou.
Para o outro amigo, ele fez uma proposta de sociedade em uma empresa, que levou o que aprendeu com o patrão ao pé da letra, sendo mais Caxias ainda que ele, não faltava, também não perdoava as faltas nem atrasos dos funcionários, a empresa prosperou, sua dedicada esposa pôde largar o cansativo emprego no hospital e sua vida se transformou com a prosperidade do amigo.
E lá de cima, lá de cima mesmo... Deus virava para seus anjos, com cinco dezenas abençoadas nas mãos e dizia:
_ Tem horas que esses meus filhos me dão um trabalho!!!
E abanou-se com os números premiados.
E os anjos riram até as lágrimas caírem e tornarem-se chuva.
E a chuva molhou a terra seca, para que as esperanças dos outros homens de bem também se renovassem.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Intuição ou indução ? Izabelle Valladares

Conto: Intuição ou Indução?






Seu trajeto era sempre o mesmo. Cercado de pó, de mato, de espinhos.
Falava pouco no dia-a-dia, no trabalho não ouviam sua voz, mas cantarolava todos os dias na hora do regresso para casa.
A lida no canavial não era nada fácil, dias de luta, muitas noites pela metade, fuligem entrando pelas narinas até não poder mais.
Não conhecia outra vida e gostava da vida que tinha. Ali na cidade de Araraquara, interior paulista, ela nasceu, cresceu,casou-se, e o trabalho era sempre o mesmo.
Aliás, nem queria outro, não saberia como fazê-lo, sua mãe foi cortadora de cana, seus avós foram cortadores de cana, seu pai era cortador de cana. E por que ela não haveria de ser?
Em alguns momentos do dia se sentia até cansada, mas sabia que ao chegar em casa o alimento dos meninos não faltava.
Chamava-se Laura, tinha os olhos amarelos e os cabelos também.
Na adolescência chegou a ter um sorriso bonito, logo castigado pelo tempo e pelos maus tratos, o corpo tinha curvas generosas, por que não dizer, voluptuosas, era forte e sabia lidar bem com o trabalho no canavial.
Conheceu Daucilei aos 14 anos, e com 15 anos, já havia emprenhado. No fundo achava até que tinha sido bom, afinal, iria ter sua própria casa, iria morar com ele bem pertinho do riacho.
Daucilei antes de conhecer Laura já havia feito uma pequena casa na beira do regaço, aonde criava umas duas dúzias de galinhas e uma meia dúzia de porcos, missão esta que passou para Laura depois do casamento.
Daucilei não era feio, não era alto, nem baixo, e sabia ler e escrever, coisa rara de se encontrar no meio de um canavial, e já estava ensinando a Laura também.
A casinha era bem humilde, logo que foram morar nela, ainda tinha o chão de terra batida, depois substituído por uma nata de cimento bem lisinha que dava gosto de se olhar, era o orgulho de Laura.

Na casa tinham janelas grandes de madeira, uma porta a frente e uma que dava para os fundos; na cozinha havia uma mesa com quatro cadeiras, os meninos preferiam sempre comer com o prato na mão; no quarto, uma cama de casal, presente do capataz da fazenda em que trabalhavam.
Conforme os meninos foram nascendo, Daucilei fazia de tábuas, camas seguras e resistentes. Não tinham televisão, apenas um rádio de pilhas que acompanhava Laura aonde fosse.
Ele era um sonhador, pensava em um dia sair dali, comprar um caminhão, viajar e conhecer novos lugares. Ela não! Queria ficar ali mesmo, ver o sol nascer no caminhão dos bóias frias, ouvir seu rádio na hora do almoço e poder ir dormir ouvindo os ‘’causos’’ contados no programa local e assim os anos de Laura iam passando, os fincos causados na pele pelo tempo e pelo sol, precocemente lhe davam um ar de envelhecimento, mas para Laura não chegava a ser um problema, já era mãe de 6 meninos, não precisava mais aparentar ser moça.
Mas a paz de Laura e Daucilei estava com os dias contados, eis que surge na cidade um grupo novo de agricultores, vindo de Alagoas, fugindo da sazonalidade do canavial local, vinham para ajudar na colheita, gente nova, com sonhos borbulhando e cheios de coragem.
Todo dia no canavial, agora, era uma festa, regada de pinga e musica depois do expediente, o caminhão que levava o povo pra cidade saía de duas em duas horas, Daucilei começou há demorar 2 horas a mais que Laura, para voltar, passando depois para 4, depois para 6, até que chegou ao ponto de dormir por lá, bêbado, sem banho, mas certamente, bem acompanhado.
Laura ouvia rumores do que estava acontecendo, mas não queria acreditar, falavam que Daucilei havia se encantado com uma Alagoana, que havia chegado recentemente com a turma nova para trabalhar na colheita.
Laura não queria aceitar, começou então a ficar triste e se isolar, já não ouvia mais seu rádio, já não cantarolava no seu trajeto de volta. A tristeza havia feito morada em sua alma, trabalhava muitas vezes com um nó tão apertado na garganta que chegava doer, uma dor seca, quente e silenciosa, uma dor de descobrir o que não queria enxergar.
Na noite de São João, Laura decidiu não ir embora antes do marido, ficaria no baile ao seu lado, mostrando a todos aonde era o seu lugar, levou sua melhor roupa, um vestido azul turquesa de cetim com renda branca na ponta. Quando a lida chegou ao fim, foi para o barracão banhar-se e se arrumar para a festa, queria surpreender Daucilei, havia amarrado os cabelos no alto para dar um ar mais jovial e tinha até mesmo comprado uma alfazema para se perfumar.
Ao sair do barracão, todos se espantaram com a formosura de Laura, perfumada e bem apresentada, não parecia nem a velha Laura suja de fuligem da lida. Laura entra no salão, olha para um lado, olha para o outro e não vê Daucilei, procura na parte externa do barracão. Um murmurar diferente no matagal chama a atenção de Laura, e nesse momento seu grande coração fica do tamanho de uma ervilha, exprimido, quieto, sofrido, seus olhos se deparam com Daucilei em cima da Alagoana, que só percebeu que os pés parados ao lado do casal de amantes, eram de Laura, porque a Alagoana deu um grito ao vê-la ali de pé, parada, como uma assombração que surge do nada.
Laura pensou em gritar, pensou em xingar, pensou em agredi-los, em ter nas mãos um facão e atravessar os dois juntos em um só golpe, mas Laura não fez nada, olhou os dois bêbados se vestindo apressadamente, nervosos com sua presença. Laura virou-se e foi sentar sozinha no fundo do caminhão que a levaria de volta para casa, ali repensava sua vida, tentava entender não o motivo da vida dura, que sempre teve, mas o motivo de nunca ter se achado infeliz, muito pelo contrario, amava sua casa, seus amigos, seus filhos, seu radinho e amava Daucilei, pensava nas pessoas que se contentavam com muito pouco, mas não era o caso dela, ela tinha muito, tinha tudo o que queria, tinha tudo que precisava, em alguns momentos do dia, principalmente nos dias que sucediam as noites de amor nos braços de Daucilei, se sentia a mulher mais feliz do mundo.
Laura podia sentir o clima pesado no baile, as pessoas andavam em volta do caminhão e sem perceber que Laura estava ali, comentavam a infelicidade de Daucilei, ter sido pego em flagrante. Não era a infelicidade dela de ter sido traída, mas dos dois cafajestes que haviam sido desmascarados.
O sentimento que no inicio era desconfiança, tornou-se certeza, a solidão tornou-se frieza, o desejo tornou-se ojeriza e o amor, sublime amor, tornou-se vingança.
Laura no dia seguinte decidiu não ir trabalhar, Daucilei entrou mudo em casa e saiu calado, durante a madrugada ainda tentou uma aproximação, encostando o dedo mínimo no pé de Laura, logo tendo a resposta da repulsa da mulher, que se levantou e foi deitar-se no chão. Quando Daucilei acordou para ir trabalhar, viu Laura passando as roupas de ir para a igreja dos meninos, na cozinha, não entendeu para aonde iriam, se naquele dia não tinha missa, mas sabia que de nada adiantaria perguntar, ela certamente não responderia.
Após a saída de Daucilei, Laura pegou uma blusa velha de cada filho, passou e esticou na cama e pegou seu vestido da noite anterior e fez o mesmo, pegou os meninos, fechou a porta da frente da casa e se dirigiu para os fundos.
Para Daucilei, a tarde passara depressa, sabendo do problema da noite anterior, sabia que chegar em casa naquele dia tarde, não seria o mais indicado.
Ao entrar em casa, teve um súbito pressentimento do mal, ao ver a porta da frente trancada, deu a volta pelos fundos e o terror se instalou em seu subconsciente ao ver o facão que Laura usava no canavial, pingando sangue na soleira da porta, entrou em sua casa cego de dor do que poderia encontrar, a cena vista foi a pior que sua mente poderia imaginar, as roupas esticadas na cama, cada uma com um coração em cima banhando de sangue um quarto que outrora fora banhado de amor, um bilhete mal escrito colado na parede dizia: “Fomos para a casa do pai, esperamos você lá”.
E naquele frenesi louco, entre a dor e a consciência pesada, Daucilei não pensou duas vezes, foi até o quintal, pegou uma corda e deu o fim a própria vida, se enforcando.
A tristeza tomou conta da cidade, a própria policia tinha medo de chegar perto da casa para concluir as investigações.
Passado alguns dias, Laura apareceu com os meninos, ninguém entendeu nada, todos tinham certeza que ela havia matado-os e se matado, Laura com a frieza de quem perde o sentimento de consideração a qualquer ser humano, disse:
 - Vocês são loucos, nunca mataria meus meninos por causa de um cachaceiro infiel, o burro que não leu o verso do bilhete, que dizia: ‘’Estou com saudade da família, se quiser aparece na casa do pai. Matei os porcos para você aproveitar minha ausência e fazer uma festa pra sua amante, pois deles eu não cuido mais’’.
O delegado atordoado com a história perguntou:
- Mas porque arrancou os corações?
- Por que o maldito nunca saberia que os porcos estavam mortos nos fundos da casa, se eu não indicasse pra ele, apodreceriam lá!E como eu iria arrancar meu próprio coração e ainda sair andando? Tem que ser muito burro pra pensar numa coisa dessas.
Assim a triste história de traição de Daucilei teve fim, até hoje em Araraquara, se comenta o fato, ninguém sabe se o suicídio de Daucilei foi friamente calculado e induzido ou simplesmente uma forte intuição de sua esposa com a moral ferida, não sabiam se Laura era inteligente demais, inocente demais ou Daucilei era burro demais, o que se sabe é que a vida de Laura continuava a mesma, trabalhava, e cantarolava na volta com alivio de não ter mais porcos pra cuidar. Como diz o ditado popular:
“O mal do urubu é pensar que o boi está morto.”




sábado, 18 de setembro de 2010

Deus Visita o sertão - Izabelle Valladares
























Deus visita o sertão

O

  Sol ardia queimando a terra árida.

 Natalino voltava para casa como de costume. A vida no sertão baiano, não tinha muitas novidades, todos os dias era a mesma luta, o trabalho tornava-se mais árduo por conta da seca, e o sol escaldante acabava trazendo ao fim do dia, o cansaço na pele tão castigada, mas não havia o que fazer, e o sertanejo já sabia disso desde a infância, os dias de batalha começavam antes do amanhecer.
Natalino, vivia em Jacobina, e como todo jacobinense, aprendera desde cedo a mexer com o garimpo, era empregado do Sr.Lopes, um paulista esperto que havia se dado bem naquelas bandas, contratando homens e mulheres, para um trabalho arcaico e artesanal e tirando deles seus sonhos e esperanças, mas Natalino tinha uma diferença, Natalino sonhava em poder sair do sertão e conhecer a cidade grande, sonhava em colocar seus meninos para estudarem, e em um dia, quem sabe? Aprender a dirigir um automóvel, e todos os dias, quando fazia seu caminho para casa, Natalino sorria, mesmo com os poucos dentes que tinha aos 30 anos de idade, pensando na alegria de seu sonho um dia se realizar.
Em um desses dias, voltando para casa, Natalino avistou em uma cerca, um senhor sentado com uma moringa de água, natalino estranhou, por nunca tê-lo visto por ali, mas decidiu seguir seu trajeto e não parar para prosear, mas o velho o cumprimentou, o que fez com que Natalino parasse para observá-lo por alguns instantes.

_ Boa Tarde, Moço.
_ Boa tarde... Qual sua graça?
O velho, que por sinal, era muito magro e desdentado também, riu e respondeu Natalino com outra pergunta:
_ Se eu te dissesse que sou Deus você acreditaria?
Natalino começou a rir da cara de pau do velho, e respondeu:
_ Claro qui não seu moço, o que Deus taria fazendu aqui? Não é doido nem nada?
O velho riu da observação de Natalino.
_ Mas e se eu te dissesse que sou Deus, que ouço seus pensamentos e que hoje vim do céu somente para te dar uma dica?
Natalino riu mais alto ainda.
_ Tu tá é ficano pirado coroa, pra começar, nunca ouvi ninguém falar que Deus tinha descido do céu pra atinar qualquer cabra por aqui, e eu não seria o escolhido, não faço nada por merecer a presença de Deus, bebo uma pinga ferrada na barraca do Raimundim, fumo, e ainda arrisco uma zoiada na mulher dos amigo.
O velho, que se dizia ser Deus, ficou de pé, e respondeu:
_ É verdade Natalino, vejo seus defeitos, mas quando fiz os homens, fiz com seus defeitos também, e aprendi a amá-los e o que é mais difícil, a perdoá-los.
Natalino vendo que o velho não mudava de idéia começou a caçoar.
_ Mas deus, lá no céu num tem dentista não? Tu tá sem dente nenhum na boca, e comida, lá por acaso é igual aqui? Falta comida? Tu tá magro igual uma gaiola, dá até pra ver os ossos.
E continuou achando a maior graça do forasteiro.
O velho, ainda de pé, disse ao Natalino:
_ Você acha que eu poderia aparecer pra você como eu sou? Com certeza você não estaria aqui rindo de mim ou duvidando de minha existência, certamente morreria só de olhar para minha magnitude, mas como sou o Deus que perdoa, e amo você do jeito que é, vou fingir que não entendi e vou te dar mais uma chance.
Natalino desta vez ficou brabo.
_ Olha aqui seu Deus de araque, eu sou um cabra muito do macho, essa história de homem que ama homem pra mim é coisa de baitola e só não te arrebento os dentes, por que minha mão vai atravessar sua garganta, por que dente aí não tem mais, trabalho todo dia de sol a sol, pra dar de cumer a mulher e aos minino, e você vem me esperar no fim do dia com essa prosa torta.
Deus que olhava seu suposto filho já com pena pegou a moringa que estava ao seu lado e estendeu em direção á Natalino.
_ Sua chance é essa, acredite ou não, a água que está nessa moringa, foi abençoada por mim e tocada pelos meus anjos, ela te dará em sonhos a resposta que procura para sair desse sertão, basta um gole que quando adormecer saberá aonde encontrar uma pedra de ouro fora do garimpo que vai mudar tua vida.
Natalino olhou para o velho com cara de pena desta vez.
_Olhe amigo, deixe seguir meu caminho, por que já tá tarde e essa conversa tá ficando chata, num vou mais mangar do senhor, e também, não vou mais te dar ouvidos, essa pinga que o senhor bebeu , deve ser das boas, num deve ter nem na barraca do Severino, mas vou lhe avisando, se ficar rodando em jacobina falando essas maluquices, os cabras vão te acertar, ninguém aqui gosta de ser feito de palhaço nem de bobo, muito menos eu, essa água que tu carrega nessa moringa deve de ser mijo de jumenta, e tu tá querendo me pegar, pra depois espaiá, e me fazer de otário, mas dessa vez o senhor se deu mal, por que eu que não vou cair nessa. Sou bom, mas não sou trouxa.
E Natalino foi se embora, resmungando pelo caminho e arrependido de não ter dado uma coça no velhote e ter deixado-o arriado na estrada.
Deus observava Natalino indo embora, e pensava no mal que o próprio homem fez ao homem, tornando as criaturas que perfeitamente foram criadas por ele, em pessoas que não acreditam nos milagres, não acreditam em Deus, e não acreditam nos outros homens.
Nisso veio se aproximando uma caminhonete, coisa rara naquelas bandas.
Deus que estava encostadinho na cerca chegou mais próximo ainda dos arames farpados, com medo de jogarem a caminhonete em cima dele.
O homem da caminhonete deu uma parada bem pertinho de Deus e deu um sorriso mostrando os muitos dentes de ouro.
Perguntou ele á Deus:
_ Como se chama senhor?
Deus pensou em responder Deus, mas já estava desacreditado mesmo e respondeu Emanuel.
_ Sr Emanuel, nunca te vi nesta cidade.
E olha que conheço todo mundo com mais de 18 anos por aqui, e pelo visto o senhor tem mais um pouquinho.
Deus sorriu, com a boca sem dente e respondeu:
_Muito mais um pouquinho, com a licença da palavra.
O Homem disse:
_Me chamo Romualdo Lopes, mas todos por aqui me chamam de Sr.Lopes.
 Sr Emanuel, vejo que pela sua idade avançada, é difícil arrumar emprego no garimpo, senão te daria uma vaga, mas vá até lá amanhã, que se puder te encaixo no serviço de limpeza do ouro.
Deus sorriu da humildade do homem em querer ajudá-lo, sem saber que ele era o dono do ouro e da prata, mas respondeu para ver até aonde aquela conversa iria.
_ Está bem, amanhã passo por lá, vou me esforçar.
O Sr Lopes, que era o dono do garimpo, perguntou a Deus:
_Para aonde o senhor está indo? Posso lhe oferecer uma carona.
Deus gostou da proposta, e já que estava passeando na terra mesmo, resolveu aceitar a carona.
Sr Lopes no caminho foi conversando com Deus, disse que Deus tinha sido muito bom com ele a vida toda, e que só tinha que agradecê-lo, vendo que o velho além de magro tinha cara de fome, convidou Deus para tomar uma sopa em sua casa antes de partir, deus prontamente aceitou.
Chegando a sua residência, Deus viu a forma que Sr.Lopes tratava de sua família, e gostou do que viu, quando o jantar ficou pronto, Sr Lopes pediu ao convidado que o esperasse uns minutos, e saiu em direção ao corredor da casa com um prato na mão, Deus resolveu dar uma de sem educação e seguiu o homem até o interior da casa.
Chegando lá, para surpresa de Deus, havia uma jovem acamada, e Deus se aproximou.
O homem vendo que Deus estava no quarto se levantou e disse:
_ Esta é minha menina, teve uma doença ruim quando era pequena e não anda mais.
Deus ficou surpreso com a revelação do homem, apesar de ser o pai de todas as coisas, não se lembrava de ter ouvido a lamentação daquele pai, e resolveu perguntar:
_Lopes, meu filho, você não tem raiva de Deus por sua filha não andar?
O homem olhou para Deus, com o olhar mais sincero do mundo.
_ Nunca, Emanuel, quando minha filha adoeceu, os médicos disseram que não viveria mais um mês e tá viva á 16 anos, e agradeço há Deus todo dia por isso.
Deus que ultimamente ouvia tantas lamentações percebeu que não tinha mais tempo para ouvir os agradecimentos, de tantas reclamações que ouvia.
Decidiu então Deus, colocar a fé daquele homem a prova.
Falou em alto e bom tom.
_ Você acredita em Deus Romualdo?
O homem com os olhos cheios de água disse apontando para a única filha:
_Esta é minha maior prova que Deus existe.
Deus ficou até encabulado com a fé do homem, e insistiu em interrogá-lo:
_ Se eu te dissesse que Deus vem a terra encontrar seus filhos pelo menos uma vez em vida, e pra cada um ele aparece de um jeito, você acreditaria?
Romualdo assentiu com a cabeça.
_ É claro seu moço, quantas vezes vemos pessoas sendo salvas por outras que nunca viram na vida, isso só pode ser Deus na terra.
Deus riu da observação, apesar de dar dons aos homens para fazer o bem e socorrer o próximo de vez em quando ele tinha mesmo que se meter.
E decidiu Deus contar a Romualdo quem ele era.
_ Romualdo, eu sou Deus, vim parar em Jacobina para ajudar uma pessoa muito pobre e sonhadora, para que se livrasse das mãos do patrão que é o senhor e pudesse ir embora do sertão.
Romualdo Lopes olhou o velho intrigado, mas não questionou e antes que falasse algo, Deus falou:
_Acabou que o homem não acreditou em mim, e aqui nessa moringa que carrego, tem água abençoada por mim e tocada por meus anjos, para fazer o senhor dormir e sonhar com o lugar aonde encontrará uma enorme pepita de ouro e poder dar dias melhores a sua família.
Romualdo Lopes olhou para Deus e disse:
_ Eu queria que minha filha, voltasse a andar, nem que eu tivesse que não ter nada.
Deus gostou da reposta e disse à menina que olhava a conversa toda espantada.
_Você acredita no amor de Deus por seus filhos, mesmo os que não andam ou passam por outras dificuldades?
A jovem respondeu sem pensar duas vezes.
_Acredito sim, Deus é tudo de bom, ama a todos sem diferença, e como o senhor disse ,acredito que ele passe por cada filho uma vez na vida, como já me livrou da morte e passou na minha, me dando um pai tão dedicado.
Deus teve compaixão dos dois e disse:
_Acredita que se eu te der da água desta moringa tu volte a andar? E mais, Acredita em minha palavra que esta água é abençoada?
A menina pegou a moringa e disse a Deus:
_ Acredito no senhor, bebo até se for mijo de jumenta.
E virou a água na boca, bebendo toda a moringa sem nem pensar no sabor.
O milagre acontecia ali, a menina começou a sentir as pernas e mexer os dedos, Romualdo não se continha de tanta felicidade, correu pela casa para chamar a mulher e quando voltou para agradecer a Deus, ele já havia ido embora, mas sua filha estava de pé no quarto.
A notícia se espalhou rapidamente, e todos queriam saber, quem tinha sido o burro que não acreditou em Deus.
É claro, que Natalino, não falava pra ninguém que o burro tinha sido ele, e agora no caminho de volta pra casa, ao invés de sonhar, Natalino fica á procura de Deus no caminho, com a esperança de um dia voltar a encontrá-lo, mas Jacobina nunca mais voltou a ser a mesma, a história de que Deus aparece pelo menos uma vez pra cada um, fez com que o povo daquele lugar se tornasse mais amável com os estranhos e visitantes.
Moral da história: Sonhos podem se realizar, só depende de você acreditar.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Alforria emocional

Por que fazemos da vida um bicho de sete cabeças?











Ouvimos sempre as frases prontas que viver é muito bom,ou o contrário, como dizia o mestre em juntar palavras, Renato Russo, em sua resposta óbvia, viver é foda, viver é difícil!Mas por que fazemos da vida um bicho de sete cabeças?
Quando buscamos o amor, queremos o perfeito, quando não são perfeitos, queremos nos livrar dele, e quando nos livramos sofremos por isso,as buscas na vida são incessantes, buscamos o corpo perfeito, o carro do ano, o cabelo liso associado ao bronzeado quero todos os raios UV, e nisso o nosso tempo vai passando...
Na verdade, vida deveria se chamar busca, buscamos não envelhecer, e buscamos ser inteligentes na mocidade e rápidos na velhice, temos sede de viver ou sede de buscar? nosso interior clama por novidades e quando elas chegam, já estão passadas pra nós.Muitas vezes nos afastamos de pessoas maravilhosas por que temos medo de sofrer de amor, e não há sentimento mais dolorido que sofrer de amor.E como sabemos que estamos vivos e não mecenicamente guiados? Quando sofremos. Seja por dor ou seja por amor.Mas o sofrimento não faz parte da nossa busca, é só uma agonia que nos consome vivos.
Aprendemos desde pequenos o certo , o errado e o mais ou menos certo e na prática nada funciona.
Cresci ouvindo falar que manga com leite matava, e hoje é meu suco preferido,já quebrei o nariz da minha irmã por que não desvirou um chinelo de cabeça pra baixo e eu acreditava que minha mãe morreria por aquilo,então por que vivemos a vida inteira com medo da morte? por que viver é sempre tão complicado?
Quando estamos apertados finaceiramente sofremos, quando saímos do buraco procuramos mudar de casa de carro e entramos no buraco de novo, quando o certo seria curtir o que sobrasse ou simplesmente guardar, mas não ...está lá o tal bicho de sete cabeças a querer nos perseguir de novo...
Trabalhamos a vida toda, juntamos e queremos casas lindas para no final morrer e ainda deixar herdeiros revoltados por que deixamos pouco e o pai de fulano de tal deixou muito mais,a vida deveria ser eterna, ou simplesmente ser simples, ser um café da manhã com calma, uma tarde com brisa, e uma noite com pés entrelaçados em baixo do lençol...
Como diria Gonzaguinha, somos nós que fazemos a vida, como der , ou vier ou puder? e por que fazemos dela um monstro algoz? 
seria tão bom só viver, sem lenço, sem documento, sem mágoas, sem esperas e simplesmente, sem buscas.

Izabelle Valladares - Conto no reino dos sonhos

Este conto faz parte do livro:Contos e lendas que me contaram no Brasil,lançado em fevereiro de 2010 , em uma coletânea com outros contos, inclusive o conto vencedor do concurso da belacop:Deus Visita o sertão, pedidos pelo site>









































No mundo dos sonhos 
Desde pequeno Arthurzinho, sonhava em ter um castelo medieval.
Morava na cidade grande, soltava pipas de dentro do apartamento, e jogava bolas de gude no carpete, olhava da janela a avenida movimentada e invejava os meninos de rua e sua liberdade, e dali se imaginava em uma grande torre, e avistava a entrada de seu castelo com uma enorme ponte elevadíssa.
No início, Arthurzinho comentava seu sonho com seus pais, que zombavam da sua imaturidade, um dia sua mãe chegou a chamá-lo de brega:
_Larga de ser brega menino, você pode ter um arranha-céu moderno, vai fazer o que em um castelo medieval.
E Arthurzinho seguia seu devaneio pensando em como seria bom viver em seu castelo, pensava também em colocar cavalheiros vigiando, só se preocupava com o sol quente brasileiro esquentando as armaduras, mas como não seria mesmo ele que iria usar decidiu que não era hora de se preocupar com aquilo
E Arthurzinho foi crescendo com aquele sonho reprimido, toda vez que tocava no assunto com os pais, os dois zombavam de Arthurzinho, e ele se tornava cada vez mais isolado da família e mais refugiado em seu sonho.
Quando tinha por volta de doze anos, seu pai o pediu para fazer um projeto residencial, afinal, seu pai era dono da maior empresa de arquitetura de são Paulo, e Arthurzinho passou noites dedicado ao projeto, o pai queria estimulá-lo com aquilo, para que tornar se o cabeça da empresa que o pai trabalhava, que o avô trabalhou e que o bisavô italiano tinha fundado com maestria ao pisar em solo brasileiro.
Ao entregar ao pai seu projeto, ficou estupefato com a reação do pai, ele estava com o peito estufando de felicidade e esperava um abraço orgulhoso e os parabéns, mas quando o pai viu que Arthurzinho tinha projetado um castelo, rasgou o papel em mil pedaços, com arrogância e raiva, e Arthurzinho, viu seu castelo desmoronar, o pai viu mais ainda, começou a achar que seu único filho e herdeiro de tantos anos de trabalho e dedicação estava enlouquecendo e para Arthurzinho nada era mais forte que seu sonho desde a infância.
Aos quinze anos, a noticia veio como bomba na família, descobriram vários porcos de cerâmica em cima do guarda roupas de Arthurzinho, todos recheados de dinheiro, o pai achou que era para um carro, a mãe achou que o filho queria morar sozinho, e quando pressionado para dizer para que juntava tanto dinheiro, Arthurzinho respondeu, para não ter que pedir a vocês quando eu construir meu castelo, diante dessa resposta a família se desesperou.
De dentro do seu quarto, perdido em seu universo, Arthurzinho ouvia as vozes em segundo plano.
_ Ele é doido, Martha, desde pequeno eu sei que ele é doido, e lugar de doido é no hospício.
A mãe tentava defender o filho:
_ Ele é só uma criança, você que é doido Arthur.
E o pai Arthur disparava os insultos:
_Você tinha uma tia doida, eu nunca tive, ele puxou sua família.
E a mãe atacava também.
_ Deve ser castigo, você é tão perfeccionista que queria um filho perfeito e não teve.
E Arthurzinho no refúgio do seu quarto, já estava em outra dimensão, pensando em colocar jacarés no fosso em volta de todo o castelo que pudessem devorar seus pais com uma bocada só.
E os pais tomaram a difícil decisão de internar Arthurzinho em uma clinica para doidos.
E Arthurzinho não entendia como tinha ido parar ali, não fazia mal a ninguém, não era agressivo, era um bom aluno, apesar de não ter muitos amigos, tinha bons amigos, era amável com os professores e porteiros, seu único mal de cabeça era sonhar, e como era o melhor momento do dia dele, quando ele visualizava seu castelo, era tudo pelo qual Arthurzinho queria lutar.
Na clínica com pessoas doidas de verdade, Arthurzinho pode ver como eram os tratamentos, como era o preconceito e como era inútil lutar com a visão que a sociedade tinha de você, e Arthurzinho tomou a decisão mais difícil de sua vida, iria abandonar seu sonho, iria abandonar seu objetivo, seria quem seus pais queriam que ele fosse.
Quando chegou o dia de sua alta, Arthurzinho viu seu pai se aproximando e de repente viu as imagens embaçarem em sua frente, percebeu que estava sendo sedado a todo o momento, e precisava provar a todos que não precisava de medicamentos, que não era anormal, e que seu sonho era apenas um sonho.
Arthurzinho voltou pra casa e se desfez de tudo que lembrava seu sonho, as revistas e livros que retratavam a era medieval, as miniaturas, os encartes, as anotações e os projetos desenhados.
Pegou todo o dinheiro que havia juntado durante todo aquele tempo e sumiu misteriosamente com ele.
Arthurzinho tornou-se um rapaz normal, freqüentava a faculdade, a academia, de vez em quando aparecia com uma namorada, uma vez na semana ia jogar tênis com um amigo de infância, e o pai orgulhoso acenava da janela do apartamento vendo a vida de Arthurzinho fluir Como ele queria, certa noite em um jantar, chegou a comentar com a esposa, como aquele período na clínica havia feito bem para Arthurzinho.
Um dia Arthurzinho chegou em casa com uma namorada, e a apresentou a família, o pai pensou logo, a família vai aumentar, via o filho trabalhando e tinha orgulho de suas atitudes para com ele, e a vida de Arthurzinho seguia seu fluxo, ele namorou, noivou e decidiu se casar, no dia em que foi pedir a mão da namorada em casamento, Arthurzinho a levou ao melhor dos restaurantes e comprou o melhor anel que o dinheiro podia comprar, mas sua namorada notava algo estranho em Arthurzinho, seu sumiço com o amigo uma vez na semana, começava a preocupá-la e ela começou a duvidar da sexualidade de Arthurzinho, e resolveu procurar seu pai para conversar, marcou uma daquelas quinta-feiras que sabia que Arthurzinho desaparecia, foi até o escritório do Sr Arthur e esperou ansiosamente o sogro poder atendê-la.
Quando finalmente foi atendida, tentou ser franca e direta.
_ Sr Arthur, algo acontece com Arthurzinho, ele fica com o olhar perdido e carrega uma tristeza que não entendo, ele tem de tudo, eu o amo, vocês também, mas o acho perdido no tempo e no espaço muitas vezes, e esse amigo dele o Charlles, acho uma amizade estranha, somem toda quinta feira.
O pai riu das duvidas da nora e disse:
_ Esqueça essa dúvida, eles jogam Tênis desde os 15 anos juntos toda quinta-feira, se fosse gay eu já teria percebido algo, e quanto a ele ficar aéreo ás vezes é por conta do tratamento que teve que fazer em uma fase de sua vida.
E contou tudo a nora, da internação, do sonho de ter um castelo estilo medieval, do projeto, do dinheiro que juntou a vida toda...
Ela saiu de sua sala aturdida com aquilo tudo, e faltando um mês para o casamento, decidiu terminar tudo com Arthurzinho.
Arthurzinho a amava, mais que tudo, tinha sido o primeiro ser humano que tinha dado amor a Arthurzinho e ele a venerava por isso, e não esperava aquela reação.
Arthurzinho sofreu, chorou se humilhou e ela não quis mudar de idéia, ficara com medo de se casar com um homem que já tinha passado por tratamento psiquiátrico e ter filhos com problemas mentais, como os pais de Arthurzinho, não sabia aonde começava a loucura e aonde começavam os sonhos.
Arthurzinho estava na cobertura onde morava e olhava pra lua, e para o céu tentando entender por que a vida tinha sido injusta com ele, por que nem direito de comandar seus próprios sonhos ele tinha, sorriu para a lua e se imaginou em uma das torres de seu castelo, sonhou com cada detalhe que colocaria, com os brasões e bandeiras que decorariam o castelo, com a enorme mesa, aonde seus filhos seriam servidos e contariam a noite pra ele todos os seus sonhos, e ele os ajudaria a realizá-los sem julgamentos, lá de cima avistou a enorme piscina do prédio e visualizou o fosso que queria fazer, a ponte elevadissa, e os jacarés que colocaria ali para afastar os invasores, pensou nos invasores dos seus sonhos, pensou na sua amada e viu a lua soberana, a lua dos amantes a lua dos sonhadores, e vendo-a refletida na água da piscina, abriu seus braços ao vento e saltou para a morte, com a coragem que não teve para enfrentar seus opressores, com a coragem que não teve para sonhar.
Nos noticiários nada mais era comentado, o moço de família rica, bonito, inteligente, havia se libertado da vida, os médicos procuraram indícios de drogas, de bebidas, mas nada fora encontrado, só saltou do 15º andar, um jovem e seu sonho e mais nada.
E no enterro do Arthurzinho seu pai procurava uma explicação, sua mãe desmaiava constantemente e era amparada pelos médicos, sua ex- namorada, se culpava o tempo todo e seu fiel amigo Charlles, pediu a palavra para ler um à carta que estava em seu poder e poder homenagear o amigo. A carta Dizia;
Caros amigos, esposa e filhos presentes:
Quando meu amigo Charlles ou um dos seus filhos autorizados abrirem esta carta já terei partido.
Mas parti com a felicidade do sonho realizado, quando todos me acharam um louco, eu fiz levantei meu sonho, Charlles foi meu companheiro nessa empreitada, durante 10 anos de nossas vidas fomos fielmente ao interior construir o castelo que sonho desde a minha infância, lá provavelmente criei meus filhos aqui presentes, e amparei meus pais em sua velhice, minha esposa, que sempre foi minha amiga e meu único amor, só o conheceu depois do nosso casamento, não queria que ela tirasse conclusões precipitadas sobre a minha sanidade.
Mas se vocês não conheceram meu castelo, se meus filhos não estão aqui presentes e se meus pais não envelheceram, isso é sinal que meu sonho de vida se frustrou, saibam todos que eu os amei de verdade e apesar de não tocar no assunto do castelo, ele sempre esteve presente em meu pensamento e em meu coração, e era só o que eu queria, talvez se meu pai o fizesse pequeno na minha infância para eu brincar, eu tivesse deixado esse sonho pra lá, mas meu sonho foi condenado, meu sonho foi perseguido e tentaram matá-lo antes de se realizar, mas como todo louco, fiz meu sonho acontecer, e nem que seja pra ir morar nele em minha morte, é lá que eu quero ficar.
Com amor.
Arthurzinho

Todos se olharam assustados com aquela revelação.
E o cortejo avançou para o interior de são Paulo, e avistou uma enorme construção medieval, decorada com bandeiras e com brasões, o fosso ainda seco, já estava pronto, e a ponte elevadíssa desceu para que o corpo do seu idealizador entrasse.
As manchetes no dia seguinte acusavam a família de opressão e de ter enlouquecido o filho, a namorada entrou em depressão e foi parar em uma clinica psiquiátrica, e o amigo Charlles, mandou um famoso paisagista decorar todo o terreno do castelo e lá do alto, quem sobrevoava a área podia ler, nas flores,
“Um sonho nunca é grande demais para seu sonhador,
Arthurzinho, esse é seu reino!
Descanse em paz amigo “